Capítulo 1 - Fragmentos de um Passado

Capítulo 1

Fragmentos de um Passado

 

Era 2004 quando tomei a decisão que mudaria o rumo da minha vida. Com um desejo ardente de me destacar profissionalmente, deixei o Recife e fui para o Rio de Janeiro com o propósito de cursar um MBA em Gestão Cultural na Ucam, uma das instituições mais renomadas da cidade. Carregava comigo não apenas malas, mas também o peso de uma luta constante contra a balança. Já saí do Recife bem acima do peso ideal, mas esperava que a mudança de cenário trouxesse um novo ânimo.

 

Instalei-me em um apartamento que pertencera à minha tia-avó, um lugar que permanecera fechado por 17 anos. O condomínio era mantido com o aluguel da garagem, já que eu não possuía carro. Esse detalhe aliviou minhas finanças e me deu a falsa esperança de que o caminho estava livre para grandes conquistas.

 

Ao longo dos dois anos seguintes, minha vida se transformou. O ponteiro da balança chegou aos assustadores 115 kg, e foi nesse período que experimentei os primeiros sintomas de depressão. A doença não apenas afetou minha mente, mas também me trancou dentro de casa, mesmo sabendo que tinha amigos por perto. A realidade era que, aos 27-28 anos, o mundo exterior se tornara um lugar assustador.

 

Ana Beatriz Barbosa, psiquiatra e autora renomada, explica que a depressão é uma doença multifacetada que pode surgir devido a fatores genéticos, biológicos, ambientais e psicológicos. Em seu livro "Mentes Depressivas", ela descreve como eventos traumáticos e o estresse contínuo podem desencadear episódios depressivos, especialmente em pessoas com predisposição genética. Essa informação esclarece que a luta contra a depressão teria raízes mais profundas do que eu imaginava.

 

Em meio a esse turbilhão de emoções, duas experiências se destacam. A primeira foi durante a organização de um trabalho em grupo na faculdade. Eu era a mente por trás do projeto, coordenando cada detalhe. Contudo, na hora de apresentar, o medo de ser julgada pela minha aparência tomou conta de mim. Tremia e gaguejava, tornando a apresentação um desastre. A reação dos colegas e até da professora, que não conseguiu segurar o riso, foi devastadora. Aquilo me marcou profundamente, ao ponto de abandonar o curso no final do semestre.

 

A segunda experiência foi ainda mais dolorosa. Participei de um processo seletivo para trabalhar na produção da Globo, no Projac. Passei por quatro etapas e cheguei à última fase, entre os 12 finalistas de um total de mais de 500 candidatos. Seis seriam selecionados. No entanto, a desmotivação e o desejo de voltar para casa fizeram com que, nessa última etapa, eu me mantivesse calada e distante durante toda a seleção. Lembro até do assunto escolhido para que realizássemos um debate: aborto. Tema com o qual já havia tido contato por diversas vezes. Como era de se esperar, não fui escolhida. A carta de rejeição da Globo, que ainda guardo, é um lembrete constante desse fracasso.

 

Foi nesse ponto, em 2005, aos 28-29 anos, que, ainda no Rio de Janeiro, busquei ajuda psiquiátrica pela primeira vez. O diagnóstico de depressão confirmou o que eu já suspeitava: algo dentro de mim estava quebrado, e eu não sabia como consertar.

 

Louise L. Hay, em seu livro "Você Pode Curar Sua Vida", fala sobre a importância de se reconhecer e liberar emoções reprimidas. Ela argumenta que muitos problemas de saúde, incluindo a depressão e a compulsão alimentar, podem ser influenciados por pensamentos negativos e crenças limitantes. Uma constatação também trabalhada pela youtuber e coach Bárbara Moreira, com seu curso de Desprogramação de Crenças Limitantes. As palavras de Hay e da Bárbara ressoam profundamente comigo, pois eu estava apenas começando a perceber a profundidade das minhas feridas emocionais.

 

A abordagem de Dr. David Servan-Schreiber, em "Anticâncer", sobre como o equilíbrio entre corpo e mente é essencial para a saúde, também se mostrou relevante. Ele sugere que práticas como meditação e alimentação saudável podem ajudar a restaurar esse equilíbrio, uma perspectiva que começou a se formar na minha jornada de autoconhecimento e cura.

 

Esses autores e suas obras ajudaram a iluminar os aspectos complexos e interconectados da minha saúde mental e física, oferecendo um caminho para a compreensão e o tratamento. Enquanto refletia sobre essas lições, comecei a perceber que a minha história não era única; muitos enfrentam batalhas semelhantes com depressão, compulsão alimentar e questões de autoestima, e encontrar um caminho para a cura é uma jornada pessoal e profunda.

 

Preâmbulo: A Raiz da Compulsão Alimentar

 

A compulsão alimentar que enfrentava tinha raízes profundas. Meus antepassados  são de pessoas ansiosa e foi daí que herdei essa característica. Na infância, até os 9 anos, eu era uma criança de peso normal, mas sofria de enurese noturna. A vergonha de um dia, uma amiga perceber o plástico sob meus lençóis, ainda é vívida em minha mente. Foi um período de perdas e mudanças que abalou meu mundo através do que entendia e assimilava sobre isso: a morte do meu avô e da minha bisavó paterna, além da comoção nacional com a morte de Tancredo Neves, o primeiro presidente eleito da história recente do Brasil.

 

Esses eventos coincidiram com a minha primeira experiência com um filme de terror, Poltergeist. Durante o filme, que assistia com uma amiga, teve um momento que senti extremo terror e pânico pelo medo de morrer. Esse momento deixou marcas profundas. A partir daí, desenvolvi um medo paralisante de dormir sozinha e de alturas, que só fui superar na adolescência.

 

Segundo Ana Beatriz Barbosa, a ansiedade e os transtornos alimentares muitas vezes caminham juntos, alimentando-se um do outro. Em seu livro "Mentes Inquietas", ela discute como a ansiedade pode levar a comportamentos compulsivos, como a ingestão excessiva de alimentos, em uma tentativa de encontrar alívio temporário para o desconforto emocional. Esta compreensão é crucial para entender o ciclo vicioso em que me encontrava.

 

Com tantas mudanças e emoções, acabei ficando em recuperação na escola. Na tentativa de me fazer estudar, meus pais restringiram minhas brincadeiras com amigos durante a semana. No entanto, sem supervisão, já que eles trabalhavam o dia todo, meus esforços acadêmicos foram inexistentes. Sozinha em casa, encontrei conforto na comida. Nessa época, não era tão normal levar crianças para psicoterapia. Não passei por esse tratamento. Foi nesse contexto que a compulsão alimentar se instalou de vez, um hábito que me acompanharia por toda a vida e desencadearia outras compulsões que contarei ao longo dessa história.

 

Louise Hay também aborda como padrões de pensamento e emoções não resolvidas podem se manifestar como comportamentos autodestrutivos. Em "O Poder Dentro de Você", ela enfatiza a importância da autoaceitação e do amor-próprio como passos essenciais para a cura.

 

Essas experiências moldaram quem eu sou, traçando uma jornada de desafios e superações que só agora começo a entender completamente. Este é apenas o início de uma história que merece ser contada em detalhes, uma história de luta contra demônios internos e a busca incessante por redenção e autoconhecimento.

 

O Eco da Alegria: A Jornada Antes dos Nove

 

Lembro-me de um tempo em que meu mundo era repleto de cores vibrantes e movimentos incessantes. Era uma criança hiperativa, vivendo com uma energia que parecia inesgotável. Minha vida era um turbilhão de atividades: de baliza da Banda a atleta de vôlei, não havia evento escolar que eu perdesse. Lembro-me com clareza da minha paixão por ginástica olímpica, praticando movimentos no quintal de casa e suplicando para que meus pais me mudassem para uma escola onde pudesse treinar formalmente.

 

Apesar de meu desinteresse pelos estudos formais, no curso de inglês eu me destacava. Desde os cinco anos, minha mãe nos expôs à língua, tornando essa uma das poucas atividades acadêmicas em que eu realmente brilhava. A vida era leve, fluida, e eu era uma criança feliz, explorando o mundo com curiosidade e facilidade em fazer amigos, fosse onde fosse.

 

Mas, ao relembrar esses anos dourados, uma sombra se projeta. Algo mudou após os nove anos, algo que ainda hoje não consigo identificar completamente. Talvez seja o vazio que sinto agora, uma sensação persistente de incompletude, uma fome insaciável que vai além do físico. A ansiedade, as angústias, e a compulsão alimentar surgiram como um eco perturbador, preenchendo um espaço que antes era repleto de alegria e inocência.

 

A Dra. Ana Beatriz Barbosa já explicou em suas obras como traumas ou eventos significativos na infância podem desencadear desordens psicológicas na vida adulta. No entanto, quando tento conectar os pontos, não encontro um evento específico, um trauma definidor que possa explicar essa mudança. Louise L. Hay, em seus escritos sobre autoajuda e cura emocional, fala da importância de entender as raízes emocionais dos problemas físicos e comportamentais. No entanto, minhas memórias antes dos nove anos são de uma criança sem preocupações, ativa e amada.

 

Ao explorar casos semelhantes, encontro conforto e identificação. Por exemplo, Diogo Lara, psiquiatra e autor, discute como a infância pode parecer perfeita externamente, mas ainda assim carregar questões subjacentes que emergem mais tarde. Ele menciona casos de pessoas que, como eu, não conseguem identificar um evento específico, mas sentem que algo mudou dentro delas. É como se um buraco tivesse se aberto, um vazio que, segundo Dr. David Servan-Schreiber, pode ser um sintoma de desequilíbrios emocionais não resolvidos, que se manifestam através de comportamentos compulsivos ou estados de ansiedade.

 

Bárbara Moreira, coach holística, destaca que a compulsão alimentar muitas vezes é uma tentativa de preencher um vazio emocional, uma busca inconsciente por conforto. Essa compulsão pode ser uma resposta a sentimentos reprimidos de inadequação ou desconexão. Quando criança, eu era feliz e segura, mas talvez, em algum nível profundo, eu já estivesse lidando com questões de pertencimento ou autoaceitação, mesmo sem perceber.

 

Assim, continuo a buscar respostas, navegando entre memórias nebulosas e sentimentos não resolvidos. A ansiedade e a compulsão alimentar são como ecos de um silêncio antigo, uma resposta a um chamado que talvez nunca entenda completamente. Mas, enquanto escrevo estas palavras, sinto uma espécie de libertação, uma aceitação de que, às vezes, as respostas não são claras ou simples. E tudo bem. Continuo a explorar, a aprender e a crescer, abraçando o mistério que é a minha jornada de vida.

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